terça-feira, 2 de junho de 2015

Nole e o Monstro da Philippe Chatrier





O dono da Philippe Chatrier


Difícil superestimar a batalha de logo mais entre Novak Djokovic e Rafael Nadal pelas quartas de final de Roland Garros. Pode não ser a ''melhor quartas de final da história dos Grand Slams'', como alguns tentam vendê-la, mas é um embate tão importante quanto qualquer final épica. Muita coisa estará em jogo. Na verdade, toda uma lenda do esporte estará em disputa. Nadal venceu nada menos do que nove de cada dez Roland Garros que disputou. Em mais de noventa jogos de cinco sets no saibro só perdeu, em toda sua vida, uma única peleja. No entanto, sua performance na superfície que dominou como ninguém foi a mais fraca de todas as temporadas desde 2004, e ele enfrenta o atual número um do mundo em seu apogeu físico, mental e técnico.

Nole vem entrando gradual mas firmemente no olimpo do esporte dos reis. Já é detentor de oito majors e quatro masters cup, e terminou três temporadas na ponta do ranking da ATP. É o sexto tenista com maior número de semanas como número 1 do mundo, na frente, inclusive, do próprio Rafa. Mas lhe falta o título em Paris para completar o career grand slam, feito só realizado por quatro homens na era profissional [Rod Laver, André Agassi, Roger Federer e Rafael Nadal]. Pior ainda, ele já chegou ao torneio na posição de favorito antes: nos últimos três anos foi barrado na conquista pelo adversário que terá pela frente daqui a algumas horas. Em 2012 havia um equilíbrio entre ambos, e a derrota não foi tão dolorida. Em 2013 Novak liderou o quinto e decisivo set com uma quebra na frente, mas foi traído pelos próprios nervos. Ano passado muitos davam como certa sua vitória; e ele passou mal durante o confronto com o Rei do Saibro, perdendo o título com uma dupla falta. O abismo entre o jogo de Nole e o de Nadal nunca foi tão grande a favor do sérvio quanto agora. Se não vencer amanhã, talvez o dia nunca chegue.
Djokovic perde a semifinal de Roland Garros em 2013 para Rafael Nadal: o sérvio liderava o quinto set por quatro a três e uma quebra na frente até que atropelou a rede, perdendo um ponto fácil e mostrando seu nervosismo na hora da onça beber água

E eis aqui o nó górdio: Jogar contra Rafa na Philippe Chatrier significa enfrentar não somente um indivíduo de carne e osso, mas toda a história que ele construiu naquelas linhas. Junto com o Rafa, pessoa de carne e osso, entra na arena o Rafa, lenda dominante e [semi] imbatível da terra batida. Por mais que ele seja atualmente apenas o sétimo do ranking, é o número 1 do mundo quem será o visitante na quadra central de Roland Garros.

Tão grande é a lenda de Nadal sobre a terra batida que, mesmo com as casas de apostas dando favoritismo de quase 3 para um a favor do sérvio, os comentaristas ainda titubeiam. Pela lógica pura e simples não há como Novak perder esse jogo. Ele é atualmente melhor do que Nadal em tudo de relevante no jogo de tennis, inclusive no saibro. Saca melhor, devolve [espetacularmente] melhor, tem um backhand [extremamente] mais sólido, defesa mais impenetrável, contra-ataque mais fulminante, muito mais confiança, velocidade e resistência física. O dia de amanhã promete ser frio e úmido em Paris, o que complica as coisas pra Nadal ao reduzir a velocidade e altura daquela que foi sua principal arma técnica em toda a carreira, o monstruoso topspin de seu forehand. O espanhol vem também de derrotas surpreendentes que lhe retiraram a fortaleza emocional e mental que se tornou mítica entre todos os que apreciam o esporte. Até mesmo sua incrível disciplina tática se encontra mais fragilizada nessa temporada.
Homenagem de fãs a Nadal quando de seu sétimo título em Roland Garros, em 2012, ocasião em que se tornou o maior vencedor do torneio, ultrapassando a lenda Bjorn Borg.

[Conta Rafa que na primeira vez que enfrentou Federer em Roland Garros, na semifinal de 2005, perguntou desconsolado para seu tio e treinador, ''Como posso vencer? Ele é melhor do que eu em tudo!'' Tony lhe disse para se concentrar naquilo que ele, Nadal, tinha de bom, e não nas armas do adversário. Não sei se esse conselho vale tanto assim nos dias de hoje. Aquilo que Rafa tem de melhor está abaixo do nível máximo que seria necessário para ameaçar Novak Djokovic.]

Por que os comentaristas titubeiam, então? Mística? Superstição? Não estariam preparados para vaticinar o fim da hegemonia de Nadal sobre o saibro?

Rafa aponta para Novak em 2013: o espanhol é um metre da batalha mental
Repetindo, Nole já esteve nessa posição. Embora não com tanta vantagem como dessa feita, eram situações similares. E ele perdeu com dupla falta em 2012, atropelou a rede em 2013, e teve ataques de vômito em 2014. Expressões de falta de controle emocional e psicológico para derrotar não o Rafa de carne e osso -- a quem ele vem dominando em outras quadras de barro que não a Chatrier -- mas aquele espectro horripilante e semi-sagrado que adentra a quadra central junto com o espanhol. Djokovic tem de derrotar não só o tenista Nadal, mas também a si mesmo. Para derrotar a si mesmo, porém, deve destruir em sua cabeça o monstro fantasmagórico, o peso histórico, o espectro do Rei do Saibro que paira -- vigilante, vitorioso, conquistador, intocável -- sobre o Complexo de Roland Garros.

Para ser herói, para ser um construtor de um novo mundo e história no Tennis, Nole tem de matar o dragão.

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